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Vem, pode me desapontar

AlinaLouka

Da última vez que nos vimos, seus olhos estavam cansados, arrependidos e cheios de amor. Você pegou a minha mão e disse: “A partir de agora, eu nunca vou te desapontar”. E eu falei, ainda triste com tanto, mas ainda com tanto dentro de mim: “Pode me desapontar”. É por isso que escrevo esta carta. Para reforçar e alargar o sentido do nosso amoroso desapontamento mútuo. Comigo, você pode cometer a mais encantadora das gafes: a de ser você mesmo. Ou perto disso. E é assim pra mim também. Com você, tenho liberdade para ser inteligente e elegante, mas também desarrumada, errada, torta e pior: sem um passado que me defenda e sem um argumento que preste. Boto no seu colo aquilo que também sou eu e que há muito não recebe um carinho. Meus cantos mais desencantados, mais desamparados na mesa de jantar. Te ofereço primeiro com algum receio e depois com alegria simples de infância, te ofereço não o tempo inteiro, mas por alguns preciosos instantes íntimos, o meu eu mais natural.

Pode me desapontar. E eu posso te desapontar. Na verdade, eu vou te desapontar, meu amor, porque veja, eu não sou de plástico, não sou de mentira, apesar de tudo que o medo da verdade já tentou fazer de mim. Quero te mostrar meu requinte e minha concentração inteligente, mas também te conduzir pelo meu estado mais distraído, aquele estado breve de perda de contato com a maioria das coisas que aprendi. Nesse estado eu rio, esqueço, me confundo e, se você me der um papel e uma caneta, eu escrevo caza assim, com z. Nesse estado eu me descolo, ainda que seja um descolamento fugaz, de tudo que é material, e compartilho com você minha inocência mais profunda, aquela que lá fora, com os outros, é tão impossível e castigada.  

Quero te levar para visitarmos o raro, ainda que o raro tenha suas inconveniências. Mas por que nos limitaríamos às cercas do que nos convém? Se o raro tem vista para o infinito… Já te peço desculpas desde já: vou te entediar em alguns momentos, causar pena e constrangimento em outros, causar amor, causar paixão, tesão, algum lamento, alguma dúvida, alguma dor. E você vai me desapontar, pode ter certeza. Mesmo que não queira. Você vai me desapontar por não tapar todos os meus buracos, por não ser a resposta para todas as minhas questões, não dar conta de tudo da vida e não dar conta de tudo de mim: porque você que é meu amor, você é uma pessoa. E eu sou uma pessoa. E eu sempre quis um amor assim. Bem pessoal.

Não pense que toda vez que você me desapontar eu vou sorrir. Algumas vezes, vou deixar pra lá. Outras vezes serei serena, às vezes serei até madura.  Mas algumas vezes vou chorar, vou ficar puta, talvez eu exagere, provavelmente serei egocêntrica. Vez ou outra, me farei de vítima. Vez ou outra, me farei de forte. Talvez eu te ofenda e volte atrás. Talvez eu saia e não volte mais. Talvez você saia e não volte mais. Talvez acabe. É, talvez acabe. Talvez não. Aquele que acolhe o raro do outro e revela o seu próprio não se inibe com a possibilidade do fim. Nem com a possibilidade do eterno.

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