Entro na igreja vazia, vim só doar algumas roupas para o bazar. Quando me viro para ir embora, vejo uma senhora ajoelhada, olhos fechados com força, terço apertado entre os dedos. Volto para casa lembrando.
Sou filha de uma católica fervorosa e um ateu convicto. Presenciei inúmeras discussões inconclusas, provocações gratuitas e os mais puros olhares de espanto: “Como pode a pessoa que eu amo pensar assim?”. Estudei a vida toda num colégio católico, rezei com impaciência ave-marias e pais-nossos. Recebi hóstias com um medo que eu nem sabia do que era. Às vezes, quando estávamos só eu e os colegas do catecismo, minha vontade era gritar.
Até os dez anos, fui obrigada a acompanhar minha mãe às missas dominicais. Num domingo de sol, minha vizinha Isabela me esperando no portão, me enchi de coragem e avisei minha mãe que nunca mais iria a uma igreja. Voltei adulta, por vontade própria. Sozinha, fui a missas, e também a templos budistas, tomei passe em centros espíritas, fui a terreiros de candomblé. Conversei com religiosos, li sobre religiões. Parte de mim tentava se conectar a elas. Outra parte só queria se libertar de tudo aquilo.
Nunca casei na igreja, não batizei minha filha. Passou a vontade de gritar, ficou uma pequenez em relação ao que desconheço. Vejo os fiéis com seus terços apertados entre os dedos, me emociono. Vejo as crueldades feitas em nome de Deus, me compadeço, me enraiveço. Quando senti minha filha nos meus braços pela primeira vez, não entendi nada. Levei algum tempo para acomodar minimamente aquela incompreensão no meu peito, até me entregar a ela: a elas: à incompreensão, à minha filha. A praia me alegra e me cansa: sinto o mar e me sinto dissolvida, quase irreal. Observo as estrelas e experimento meu corpo estranhamente distante e unido a cada uma delas.Quando me perguntam se tenho religião, me apresso: não, não tenho. Mas eu rezo. À tarde, de manhã, às vezes depois do almoço. Com as minhas próprias palavras, eu rezo: fecho os olhos, me conecto. Reverencio. O quê? Uma força maior que eu e que me envolve – uma força que eu não entendo da mesma forma que não entendo a morte: mais que respeitando, dignificando. É um mistério que, se já não temo como na infância, me desorganiza, me acompanha, me comove.
Há muitos anos não rezo uma ave-maria ou um pai-nosso. Não recebo hóstia, passe. Mas, como nos Irmãos Karamázov, sigo curvada ao mistério. E à benção de ser.